Playlist Poeticamente

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Acasos

Aqui, um trecho de "Acasos", um livro nunca publicado. Gostaria de dividir com vocês um pedacinho dele, para que possam conhecê-lo. Eu prometo colocar um pouco mais outras vezes. Espero que gostem. É dedicado a cada leitor.
 O som na porta. Finalmente. As batidas que temera durante todo o entardecer. Estava ali, do outro lado da sua porta. Não sabia direito o que sentia neste momento. Apenas não queria se mover. Era nítido sentir a respiração tornar-se pesada, difícil, desafiante, um simples fragmento do furacão dentro de si.
Mas ainda não era apenas isso. As batidas foram se intensificando, tornaram-se logo insistentes do outro lado da porta. Julien não sabia o que fazer em seguida. Apenas havia seu coração apertado, suas mãos tremendo sem que fosse capaz de controla-las. E então, sem aviso algum as lágrimas lhe vieram ao encontro. Ergueu fracamente as mãos para conter o choro, mas afinal para quê?  E também por que isso estava acontecendo mais uma vez?
Como num profundo sonho, simplesmente se viu na porta, tomando fôlego para girar a maçaneta. Do outro lado ele batera por muitos minutos e um pouco antes dela se aproximar da porta, o som insistente cessou. Mesmo sem fazer som algum, mesmo sem qualquer sinal de aproximação dela, Julien sabia que ele permanecia ali, do outro lado. Qualquer um acreditaria que o visitante havia desistido, mas não ela. Não ela. Sabia que Lucas continuava ali. E podia vê-lo facilmente parado acompanhando-a vindo como se a sentisse do escuro. Não a via, mas sabia claramente distinguir que estava se aproximando dele. Sabia exatamente tudo sobre ela.
- Boa noite. – Lucas mal conseguia ouvir sua voz, tão fraca, praticamente inaudível. Mas não importava que ela falasse. Seu rosto era o que importava de verdade naquele momento pra ele.
- Eu só estou aqui por uma pergunta. – Seus olhos mais uma vez atingindo-a profundamente. Sem pedir licença, apenas se misturava à cabeça dela. Não podia evita-lo.
- Não há perguntas a serem respondidas aqui. – as lágrimas não a deixavam um único instante. Não importava mais. – Não deveria existir você aqui. Não podia estar na minha porta. Não é mais bem vindo na minha vida.
- Acha que...
- Lucas, pare. – as mãos dele tentaram tocar seu rosto, mas ela gritou que parasse. Não podia fazer isso. Aquilo deveria parar agora. – Eu quero que vá embora, por favor.
- O que está dizendo, Julien?
- Estou dizendo que tem que ir embora agora.
Ele pensou por um instante e sem respeitar o espaço entre eles, Lucas deu um passo na direção dela, ficando dentro da sua sala, próximo ao seu rosto e encarava-a sem desviar os olhos um único momento. Então sua voz surgiu rouca, mas parecendo um cometa vindo sobre ela.
- Sabe que não posso fazer isso. – Lucas apenas sussurrou aquelas palavras e aproximou ainda mais o rosto do dela e então fechou os olhos por algum momento.
Julien permanecia imóvel e ficou olhando pra ele. Seus lábios estavam entreabertos como se fosse dizer alguma coisa, mas não o fez. Não impediu que Lucas entrasse na sua casa, não impediu que ficasse ali bem na frente dela mais uma vez. E não sentiu forças para pará-lo quando abriu os olhos e tocou o rosto dela novamente.
- Eu não posso ir a lugar algum. – Lucas começou a dizer e estava tão bonito concentrado nas palavras. Depois também ergueu a outra mão e segurou seu rosto firmemente, seus dedos quentes na pele dela. – Você está aqui. Nós estamos aqui. Não posso evitar. Não me entende? Eu já fui muito longe para voltar agora. Eu não quero voltar.
- Precisa fazer isso, Lucas. – ela respondeu, tocando as mãos dele ainda no rosto dela.
- Não, não preciso se você não quiser.
- Eu quero. – ela fechou os olhos e apertou as mãos dele com força no seu rosto. Era como se estivesse lançando flechas contra si mesma.
- Eu quero, Lucas. – suas palavras se misturaram com o choro e não podiam ser decifradas facilmente agora. Mas então continuou a dizer, até começar a gritar as palavras contra ele. – Não entende? Será que não pode aceitar isso? Droga. Droga...
Lucas a puxou com calma, mas de uma só vez, fazendo sinais para que ela se calasse e então a abraçou praticamente como um pai. Só queria protegê-la. Julien então desistiu de conter o desespero e chorou com todas as suas forças escondendo o rosto no abraço dele. Permaneceu soluçando pelo que pareceram horas. Mas Lucas não se moveu, não fez nada, apenas ficou ali acariciando o cabelo dela. Tudo em que se agarrou foi ao amor que sentia por ela. Agora era seu, estava nele. Não permitiria que tirassem isso dele. Na verdade, nada acabaria com o que ele tinha agora.
Estava ali, abraçando a garota que mudara sua vida. Ele desistira e quando pulou ela pulou atrás dele. Não havia motivos para continuar, mas ela criou esses motivos para ele. Ela se tornou seu motivo. Ela se tornou tudo. Lucas a abraçou mais forte naquele instante para que Julien se sentisse protegida, segura. Não podia aceitar por que ela não entendia isso. Eles já haviam errado demais um com o outro. Tantas pessoas que amavam haviam sofrido demais, sim. Não tinham o direito de brincar com os sentimentos dos outros, mas também não podiam ficar separados. Não podia ficar sem ela.
[...]
- Eu não vou desistir. – Lucas fazia uma promessa, não importa se ela não acreditasse nele. – Eu não vou desistir de você.
- Eu só não vou desistir de amar você, Lucas. – Julien começou a fechar a porta, mas ele a parou por um instante ainda. – Isto não posso fazer realmente.
- Eu não tenho medo. Não vou me preocupar.
- Por quê?
- Porque eu sei que não sinto algo sozinho.
- Não, não sente. – ela respirou fundo, concordando. – Eu não posso evitar.
- Então, não vou ter medo. Porque sei o que sentimos. Sei a intensidade que há dentro do seu coração, porque também sinto aqui.
- Boa noite, Lucas.
Julien fechou a porta atrás de si e não se preocupou em levantar. Apenas se deixou cair no chão.


Acasos, Alla'n Camargo. Nunca publicado antes.

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