Playlist Poeticamente

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Poeticamente* longe de tudo isso


Ele estava apenas procurando um lugar para esquecer. Ele só queria fechar os olhos. Sim, sem a necessidade de ter atenção ao lado de fora, pois só importava estar sozinho. Quantas vezes você pediu que fosse apenas um dia normal, desejou não enxergar pelo menos uma vez nada que pudesse machucá-lo. Mas o direito não era seu. Não, não era seu realmente.
Naquele dia estava apenas perdido nos seus pensamentos. Ele era apenas um cara normal, com todos os temores e ansiedades correndo nas veias. O vidro da janela estava enfumaçado demais, talvez, para mostrar a situação da sua própria cabeça naquele fim de tarde. Lá fora a chuva era tão serena, tão solitária, mas tão determinada a permanecer. Ele riu do seu pensamento, mesmo com um rosto encharcado. E quem diria que tudo estaria bem afinal, se não sua humanidade e suas próprias forças? Não deixaria de dar os passos seguintes, não importa o que acontecesse. Lá fora era nublado, mas não diferente do aposento tão ironicamente agradável, mesmo com a lareira tão imponente contrastando com toda a decoração da grande sala.
O seu corpo, como se carregasse grandes montanhas, simplesmente se moveu até a janela, suas mãos pareciam conhecer algo irreal quando tocaram o vidro frio. Por que dizer que era apenas história, se não eram páginas amassadas de um livro perdido, mas os dias de suas vidas também perdidas? Os olhos dele se levantaram confusos para visualizar a cena pouco visível do outro lado, enquanto uma de suas mãos permaneciam firmes na sensação congelante no vidro da janela. Uma mecha de cabelo macio tentou fazer-lhe companhia fracassadamente, pois ele a afastou rapidamente. Era apenas o que aprendera a fazer naquela semana. Afastar-se do abraço. Ouvira alguma vez que existia o tempo para abraçar e o tempo para afastar-se do abraço. Sentia que conhecia apenas um tempo agora. E que o outro simplesmente nunca existira.
E que ela nunca existira. Pelo menos era o que queria dizer a si mesmo. Que nada daquilo acontecera. Aquele rosto nunca o observara, nunca se aproximara cruelmente com promessas falhas. Mas como enganar a si mesmo, afinal? Sabia que podia senti-la sutilmente perto dele, o perfume dela passeava entre os móveis da casa, não conseguia parar nada disso. Não podia pará-la dentro de si mesmo. Ela arrancara seu coração e agora o guardava dentro de uma caixa, talvez. E o deixara sem nada. Sem ela. Sem vida. Sem motivação. Apenas as lembranças. Apenas as lembranças que ela um dia criou na sua vida.
Os lábios dele de repente se apertaram, tão próximos da janela, sua única amiga naquele fim de tarde. Embora estivesse protegido pelas grossas camadas da cortina, sentiu que gostaria de estar exposto lá fora, que fosse tocado pela chuva e recebesse o abraço do vento também. Por que não?
Então apenas se movimentou para a porta, deixando os fragmentos da sua respiração na janela. E quando tocou o chão úmido da sua varanda, não sabia por que estava fazendo aquilo, mas o faria. Decidiu pisar calmamente, como se estivesse se deliciando com uma das perfeitas tortas de maçã dela, até finalmente se sentir livre na grama molhada, e seus pés logo afundaram em uma poça gentil à frente. Ele então ergueu os próprios braços, como se fosse apenas um estudante do Ensino Médio novamente, e viveu aquele dia. Sem as lágrimas. Sem os medos. Sem a solidão. Sem a perda. Poeticamente... e longe de tudo isso.


Alla'n Camargo




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